terça-feira, 5 de abril de 2011

O que muda para o consumidor com o cadastro positivo

Medida provisória que deve ser votada no Congresso nas próximas semanas vai reduzir juros e aumentar o acesso das classes C e D ao crédito

São Paulo - O cadastro positivo vai beneficiar todos os bons pagadores, que poderão tomar empréstimos com juros mais baixos. Mas a principal mudança será percebida pelos consumidores das classes C e D. Essas pessoas passarão a ter acesso a linhas de financiamento que hoje não estão a sua disposição em bancos e varejistas. A opinião é de Elias Sfeir, presidente do bureau de crédito Equifax no Brasil
A medida provisória 518, que cria o cadastro positivo, foi assinada pelo então presidente Lula no final de dezembro e deve ser apreciada em plenário pela Câmara nas próximas semanas antes de seguir para o Senado. O texto tramita em regime de urgência e já tem mais de 70 emendas. Os deputados ainda negociam com o relator Leonardo Quintão (PMDB-MG) possíveis mudanças na MP.
O texto não estabelece como será o repasse para os bureaux de crédito (como Equifax, Serasa e SCPC) de informações sobre o histórico de pagamento de clientes de bancos, varejistas e concessionárias de serviços públicos. Diz apenas que os bancos não poderão limitar nem dificultar a concessão das informações.
Para Sfeir, da Equifax, é importante que o Congresso inclua no texto a obrigatoriedade de que as empresas repassem as informações de graça. "Essas informações pertencem aos clientes, e não às empresas", afirma. "Se houver cobrança, vai encarecer o custo do relatório elaborado pelo bureau e inviabilizar as consultas em caso de empréstimos de baixo valor." Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
EXAME.com - Qual será o efeito do cadastro positivo sobre o crédito?
Elias Sfeir – Esse projeto vai aumentar a concessão de empréstimos porque os bancos terão mais segurança para avaliar para quem vão liberar financiamentos. Existe um estudo que mostra que, se não houvesse o cadastro positivo nos Estados Unidos, haveria uma diminuição de 11,4% no número de empréstimos concedidos. Por aí dá para ter uma ideia da importância da aprovação dessa medida provisória.
EXAME.com – Nos EUA, existe muito mais concorrência entre os bancos. Não foi isso que fez os juros caírem lá para patamares hoje impensáveis no Brasil?
Sfeir – Acho que aqui também existe alguma concorrência entre os grandes bancos. O cadastro positivo vai melhorar isso. O objetivo do projeto é reduzir o spread bancário e os juros cobrados dos clientes.
EXAME.com – A taxa básica de juros caiu pela metade durante o governo Lula, mas os bancos continuam a cobrar mais de 200% ao ano em modalidades de financiamento como o cartão de crédito. Por que o consumidor vai acreditar que o ganho dos bancos com o cadastro positivo será repassado?
Sfeir – Eu não tenho como afirmar como vão se comportar os juros bancários nos próximos anos, mas acredito que haverá aumento da concorrência.
EXAME.com – Então o que realmente muda para o cidadão?
Sfeir - O grande mérito dessa ferramenta será a disseminação do crédito entre as classes C e D, menos favorecidas. Hoje a maioria dessas pessoas não tem acesso a crédito mesmo que pague todas suas contas em dia. A medida provisória enviada ao Congresso pelo ex-presidente Lula permite que os bancos e os varejistas possam consultar o histórico de pagamento de contas de água, energia ou telefonia fixa antes de dar crédito a alguém. Essas informações vão ser usadas tanto para a avaliação da capacidade de pagamento de uma pessoa quanto para que o banco possa reduzir perdas com empréstimos ruins
EXAME.com – Quem não tem um histórico bom de pagamentos não poderá pagar ainda mais por empréstimos?

Sfeir – Essas pessoas já pagam muito hoje em dia e não acho que haverá grandes mudanças. Os juros são altos para maus pagadores porque os cadastros negativos já mostram as contas inadimplentes dos últimos anos. O cadastro positivo serve para o contrário, para provar que alguém é bom pagador.
EXAME.com – Associações de defesa do consumidor afirmam que quem não tem o hábito de se endividar pode não ter acesso a juros mais baixos justamente por isso. Alguém que nunca toma crédito não pode provar que é um bom pagador. Não é uma distorção do cadastro positivo?
Sfeir – Não vejo problema. Essas pessoas serão avaliadas pela regularidade com que pagam as faturas de serviços como energia e telefone. Se estiver tudo direitinho, eles terão acesso a crédito.
EXAME.com – A partir do momento em que o texto do cadastro positivo seja aprovado no Congresso e sancionado pela presidente Dilma, quanto tempo levará para que a ferramenta comece a ser utilizada?
Sfeir – Depende de como será aprovado o projeto, mas acho que será bem rápido. A Equifax, a Boa Vista (SCPC) e a Serasa são os bureaux de crédito que acumulam dados sobre o histórico de pagamento dos brasileiros. Acredito que em breve essas três empresas estarão oferecendo também o cadastro positivo. Todas são empresas sérias com responsabilidade civil sobre os dados divulgados e que mantém o sigilo dessas informações.
EXAME.com – A medida provisória que foi enviada pelo Executivo ao Congresso é boa?
Sfeir – Minha principal preocupação é em relação ao compartilhamento das informações. Acho que o projeto deveria estabelecer que os bancos, os varejistas e as concessionárias de serviços públicos devem informar os bureaux de crédito sobre as operações realizadas por seus clientes. Esse serviço deve ser colocado à disposição de todos os bureaux e não pode ser cobrado. Do jeito que o projeto está, eu não sei se o banco não vai querer cobrar para fazer isso. Se houver cobrança, vai encarecer o custo do relatório elaborado pelo bureau e inviabilizar as consultas em caso de empréstimos de baixo valor.
EXAME.com – Hoje os bancos e os varejistas não avisam o bureau quando alguém deixa de pagar uma conta?
Sfeir – Sim, eles nos avisam para que a gente envie uma carta ao cliente e o alerte que o não-pagamento vai implicar em sua inclusão na lista de maus pagadores. Mas eu não sei se o banco vai querer compartilhar as informações para a constituição de um cadastro positivo. Vale lembrar que essas informações pertencem aos clientes, e não às empresas. Se o consumidor der sinal verde, a informação precisa ser compartilhada. O que falta é deixar isso explícito na medida provisória.
EXAME.com – Como funciona isso em outros países?
Sfeir – Nos Estados Unidos, existe um órgão responsável por compartilhar essas informações. O que defendo é um modelo igual ao deles, de livre acesso dos bureaux às informações. Isso leva a mais competição.


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